A sociedade moderna naturalizou a cobrança excessiva por produtividade, mas também exige a paz e a perfeição. Entenda como essa dicotomia colabora com a formação da Era da ansiedade.
Porque estamos na Era da ansiedade
O sentimento conhecido como “ansiedade” é tão antigo quanto a própria humanidade. No entanto, foi somente no século XIX que ela passou a ser descrita como uma disfunção da atividade mental, se tornando objeto de estudo para diversos médicos e psicoterapeutas que buscavam compreender sua complexidade.
Apesar de sempre estar presente na sociedade, a frequência e intensidade da ansiedade vem aumentando incansavelmente com o passar dos anos. E esse aumento se dá de forma cada vez mais acelerada conforme o avanço da modernização, do sistema de produção e da globalização.
Parece exagero pensarmos que estamos vivendo a “Era da ansiedade” e acreditar que estamos alcançando um estado de adoecimento em massa. No entanto, os dados mostram que essas afirmações não são apenas reais, mas que também tendem a se agravar.
O aumento da ansiedade
Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde constatou que em 2019, 1 a cada 8 pessoas no mundo sofriam com alguma doença ou transtorno mental, sendo a ansiedade e depressão as mais comuns, chegando a representar 60% dos casos. Isso significa 970 milhões de pessoas em sofrimento psíquico, sendo 582 milhões dos casos envolvendo ansiedade e depressão.
E se engana quem acha que esses dados não refletem a realidade brasileira. Na verdade, a OMS reconheceu o Brasil como líder mundial do ranking da ansiedade. Isso mesmo, somos o país mais ansioso do mundo, sendo a maior incidência em mulheres e jovens de 18 a 24 anos.
Depois de analisar esses dados, se você ainda não acredita que estamos na Era da ansiedade, espera que piora…
A ansiedade pós pandemia
Mais uma vez me valendo das pesquisas da OMS, foi descoberto que no primeiro ano de pandemia da COVID-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%. Eu não quero nem calcular o que essa porcentagem representa naqueles 582 milhões de casos em 2019, pra não assustar ninguém. Mas já te adianto que os números são altíssimos.
Além disso, precisamos considerar que esse aumento diz respeito apenas ao primeiro ano de pandemia. Agora tenta imaginar a porcentagem no final desse período, depois de tanto tempo de isolamento e incertezas; tantas mortes, inseguranças e com o crescimento absurdo das crises sociais que resultaram desse período.
Os números são inimagináveis.
O que é a sociedade do cansaço
“Sociedade do cansaço” é o nome de um ensaio do filósofo sul coreano Byung-Chul Han, que busca transmitir para os leitores o aspecto preocupante da valorização de indivíduos inquietos hiperativos, e auto exigentes, que se arrastam no cotidiano produtivo, buscando realizar múltiplas tarefas de forma perfeita.
Para o autor, nossa época se configura como uma “violência neuronal”. Hans acredita que os transtornos psíquicos emergentes na atualidade estão diretamente relacionados com o modo operatório do capitalismo cotidiano.
De maneira geral, para o autor, o cansaço é uma resposta biológica para o excesso de positividade e cobrança que a sociedade impõe. Nesse sentido, ele nomeia o modo de funcionamento da sociedade ocidental como “sociedade do desempenho”.
A sociedade do desempenho conceitua um sistema que cobra constantemente por produtividade e resultado da sua população. Além disso, os indivíduos se colocam em uma situação de auto exploração, alimentada tanto pelo medo e pressão, como pela cultura do hiperconsumismo, que envolve uma busca incessante por multiplicar os bens e nunca se satisfazer com o que é adquirido.
A positividade tóxica
Como combustível para a auto exigência, a sociedade contemporânea sofre com o excesso de positividade. Slogans como “Yes, we can!”, “Não desista” e a demanda de busca por perfeição e felicidade a todo momento alimentam um ideal de que tudo é possível, só é necessária uma dedicação incansável.
Esse pensamento leva a uma autocobrança excessiva de produtividade, e uma expectativa da possibilidade de se alcançar sempre os melhores resultados. Em outras palavras, essa mentalidade impõe aos indivíduos uma falsa liberdade de desempenho e produção, que gera a chamada “violência da positividade”.
Tal liberdade se forma como uma liberdade coerciva, em que o sujeito não precisa mais produzir por dever ou por obediência ao outro. O sentimento de “liberdade” move o funcionamento produtivo a partir de um mecanismo que deve resultar de “criatividade”, “desempenho”, “flexibilidade”, “inovação”, entre outros tantos adjetivos que tentamos dar às nossas produções.
A partir disso, surge a ideia de que o sujeito narcísico de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. Ele nunca consegue alcançar a meta, concorre consigo mesmo incessantemente, produzindo cada vez mais e melhor.
Assim, ele nunca consegue alcançar um ponto de repouso e gratificação e vive constantemente em um sentimento de carência, culpa e insuficiência. Esse mecanismo por si só já é agravante da ansiedade por meio da auto cobrança e culpabilização pelo fracasso eterno. No extremo, o indivíduo concorre consigo mesmo até sucumbir, ou adoecer.
Mas afinal, o que é ansiedade?
Nos dias de hoje, muito se fala sobre a ansiedade como algo negativo ou uma anormalidade. Mas você sabia que essa sensação nada mais é do que uma resposta natural e normal do funcionamento biológico dos seres humanos?
E mais do que isso, a ansiedade é um sistema essencial para a sobrevivência e adaptação da nossa espécie. Ela foi e continua sendo uma das grandes responsáveis pelo nosso desenvolvimento, sendo a principal fonte que impulsionou os nossos antepassados a criarem tantas estratégias de evolução e sobrevivência, até chegarmos no sistema que conhecemos hoje, já que está relacionada a comportamentos de cautela e preparação para perigos futuros.
Assim, ela pode ser experimentada por todos de diferentes formas e graus, nas diferentes fases e desafios enfrentados durante a vida, podendo surgir como forma de medo, preocupação, raiva, paralisação, ou até uma angústia que parece ser muitas vezes inominável.
Mas se é um funcionamento normal do nosso organismo, então porque tantas pessoas estão sofrendo com a ansiedade?
Ansiedade patológica
Pensar em um funcionamento psíquico como algo patológico, ou na linguagem popular, uma doença, significa dizer que esse funcionamento está gerando sofrimento psíquico e prejuízos funcionais na vida do indivíduo.
É por isso que vemos tantas pessoas hoje enfrentando dificuldades para lidar com as diferentes áreas da vida, como familiar, educacional, profissional, lazer, entre tantas outras, como resultado de uma ansiedade exagerada e patológica.
Nesse sentido, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), a ansiedade patológica surge de uma inquietação, um medo e uma preocupação desproporcional à uma situação ou ameaça futura, acarretando sofrimento e prejuízos de ordem funcional, organizacional e social. Assim, ela pode ser patológica quanto à intensidade, duração e frequência.
Mas afinal, porque sentimos ansiedade? E porque estamos na Era da ansiedade?
O que causa o transtorno de ansiedade
As causas dos transtornos de ansiedade não são completamente conhecidas, e podem estar relacionadas a diferentes fatores e particularidades de cada indivíduo.
Por exemplo, esse transtorno pode estar relacionado a fatores genéticos, sendo considerada uma característica hereditária. No entanto, uma pessoa com histórico familiar de transtorno de ansiedade pode vir ou não a desenvolvê-lo, a depender das suas experiências de vida.
O transtorno de ansiedade também pode surgir como resultado de outras doenças mentais, sendo muito comum em pessoas com depressão, por exemplo. Mas também devido a doenças físicas, principalmente quando há um quadro de risco de agravamento ou morte.
Outro fator que pode colaborar para o desenvolvimento desse transtorno é o uso de medicamentos e substâncias como álcool, cafeína, cocaína, cannabis, entre tantas outras. Outra substância interessante que entra nessa lista são os próprios medicamentos utilizados para o tratamento de ansiedade, como os benzodiazepínicos, incluindo o famoso rivotril, que podem agravar os sintomas de ansiedade, inquietude e insônia. Por isso seus usos devem ser feitos sempre com acompanhamento médico.
Por fim, a causa que eu acredito ser o motivo principal de estarmos na Era da sociedade, diz respeito aos fatores ambientais, ou seja, a realidade social e rotineira na qual estamos inseridos. O transtorno de ansiedade pode ser desencadeado por vivências traumáticas ou por estresse causado pelo meio, incluindo preocupações e desastres com risco de vida.
Com isso, me parece sensato que sejamos uma sociedade adoecida, considerando a preocupação constante que gira em torno da busca por condições que garantam o mínimo para a sobrevivência. Além disso, o alto índice de criminalidade, o aumento dos desastres naturais e o período pandêmico e disseminação de novas doenças constituem receitas prontas para traumas em massa.
Sintomas da ansiedade
O desenvolvimento sintomático dos transtornos de ansiedade podem variar de acordo com o funcionamento de cada indivíduo e as especificidades de cada caso. Nesse sentido, as crises podem surgir subitamente, como em um ataque de pânico, ou gradualmente, no passar de minutos, horas ou até dias.
A duração das crises também podem variar muito, de alguns segundos a vários anos. Em relação à intensidade, pode haver variações desde uma angústia quase imperceptível até ataques e crises muito graves.
As crises podem se manifestar de forma diferente para cada pessoa, por isso o diagnóstico e o tratamento profissional são importantes.
No entanto, há alguns sintomas que costumam ser comuns em diversos casos e que podem servir de alerta para procurar ajuda de um profissional:
Efeitos no psiquismo
Dentre as manifestações psíquicas que podem ser geradas pela ansiedade, está uma inquietação constante, marcada por pensamentos acelerados e preocupações exacerbadas e medos irracionais, não condizentes com os perigos reais.
Também é muito comum que haja uma desregulação no sono, principalmente com casos de insônia, e na alimentação, podendo estar relacionada, inclusive, a casos de transtorno alimentar.
Outros sintomas comuns do desenvolvimento do transtorno de ansiedade são:
- Mudanças de humor repentinas.
- Dificuldade de concentração, uma vez que o foco exagerado no futuro atrapalha o foco no presente.
- Nervosismo frequente.
- Dificuldade de socializar.
- Sentimento forte de falta de controle e desconexão consigo mesmo.
- Momentos de paralisação ou inação, muitas vezes confundidas com a procrastinação.
Efeitos no corpo
Além dos efeitos psicológicos, a ansiedade também pode causar efeitos corporais. Uma das reações corporais mais conhecidas são as tensões corporais, que podem levar a dores, desconfortos constantes e dificuldade de relaxamento.
Outros efeitos corporais que podem aparecer em momentos de crise são:
- Respiração acelerada, falta de ar e engasgo.
- Palpitações, taquicardia e dores no peito.
- Náuseas, vômitos e diarréia.
- Problemas digestivos e gastrointestinais.
- Calafrio, ondas de calor, suor excessivo.
- Tontura, desmaios e tremores.
- Boca seca.
- Braços e/ou mãos dormentes ou formigamento.
Porque as pessoas estão mais ansiosas
Apesar de a ansiedade ter estado sempre presente, nunca antes a sociedade se viu em um contexto tão acelerado e frenético como o que estamos atualmente. Em poucas palavras, o organismo humano não é estruturado por uma formação frenética, ou seja, exigimos do nosso corpo uma produção que não condiz com a nossa biologia.
As demandas excessivas de produção e a mentalidade que culpabiliza o próprio indivíduo pelo fracasso leva a uma busca eterna e incansável por resultados irreais. Ou seja, estamos obrigando nosso corpo a produzir e agir de forma que não condizem com a realidade.
Se o trabalho excessivo leva as máquinas a pifar, imagina o que faz com o cérebro humano.
A ansiedade moderna
Como se não bastasse a formação da cobrança excessiva como mecanismo enraizado na população, essa cobrança se torna ainda pior em uma rotina tão acelerada como a que vivemos. O avanço da globalização e da tecnologia, apesar de seus benefícios, acelerou a vida em uma velocidade pouco ou nada condizente com a biologia humana.
Em uma realidade em que vídeos de 1 minuto já são longos demais e as respostas de tudo estão a um clique de distância, não basta a exigência de produzir com excelência, precisamos produzir rápido. A inquietação gerada pela necessidade de acompanhar a velocidade da tecnologia leva a uma frustração intensa quando percebemos nossa incapacidade para tal.
Impossibilidade de seguir a positividade
E além de tudo, o pensamento regente e disseminado é de que precisamos estar sempre bem, felizes, saudáveis e perfeitos. Além de produzir rápido e com maestria, tudo ao mesmo tempo e mais do que conseguimos; precisamos fazê-lo e garantir uma boa noite de sono, boa alimentação, lazer, autocuidado, exercício físico diário e estudos constantes.
Agora me diz, como é possível cumprir com todas essas demandas se a maioria esmagadora da população passa 24 horas por dia lutando para garantir o mínimo para a sobrevivência?
A cobrança social pelo life style perfeito nada mais é do que uma estratégia de controle dos corpos para que a culpabilização do nosso fracasso e adoecimento recaiam sempre sobre nós mesmos. Dessa forma não olhamos para os fatores sociais que impedem o desenvolvimento de uma vida saudável. E se não olhamos, não criticamos, e a roda da produtividade continua girando.
No mais, as expectativas das pessoas em relação ao conforto material também foram impactadas em função da produção de uma nova identidade consumidora, que induz as pessoas a adquirirem diferentes produtos e serviços, e propagam a busca desenfreada por um padrão de beleza. Mais uma vez recaídas na frustração e culpabilização de não alcançar essas demandas.
Outros fatores da Era da ansiedade
Para além das cobranças de produtividade e positividade relativas à sociedade do cansaço, nos encontramos em uma realidade marcada pelo medo, insegurança, instabilidade e preocupações constantes. Esses sentimentos estão ainda mais presentes nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.
Uma matéria publicada pela BBC Brasil a partir de relatos de especialistas, indicou que o alto índices de desemprego, as mudanças recorrentes no rumo da economia e a falta de segurança pública são os principais fatores para a alta prevalência de transtorno de ansiedade no país.
No mais, as altas taxas de violência e criminalidade fazem com que muitas pessoas vivam em um medo constante. As ameaças de guerra e destruição ambiental também vem surgindo como uma fonte valiosa de desenvolvimento da ansiedade.
Por fim, o isolamento social é um forte agravante dos sintomas de ansiedade. Pela realidade atual, as pessoas estão cada vez mais isoladas do convívio social e os momentos de lazer estão cada vez mais restritos. Isso também explica o aumento dos transtornos durante a COVID-19.
Importância de falar sobre saúde mental
Com tudo o que foi discutido, acredito que fica evidente a importância de discutirmos sobre saúde mental. Mas apesar dos dados alarmantes, infelizmente esse assunto ainda é um tabu para muitas pessoas que enfrentam uma dificuldade para falar tanto sobre a ansiedade, como sobre tudo que ela desencadeia.
No entanto, o estímulo ao diálogo e discussão do tema é o primeiro passo para enfrentá-lo e impedir que os sintomas continuem crescendo em número e intensidade. É tarefa da população, mas também das grandes marcas e empresas e da mídia dar foco para esse assunto e sua seriedade.
Falar sobre ansiedade e sofrimento psíquico é uma forma de conscientização, mas também uma estratégia de alívio do sofrimento através da sua liberação e pelo sentimento de união que é perceber que não estamos sozinhos.
O diálogo também é importante para incentivar o pensamento crítico e refletirmos: porque estamos tão ansiosos?
Vamos conversar?
Se você leu até aqui e se interessou pelo assunto, fica o convite para mandar uma mensagem pra gente. Queremos saber o que você pensa sobre isso.
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